Desde pequena, Desenhadinha retratava mulheres. Não por escolha estética ou estratégia, mas porque era assim que o mundo fazia sentido para ela. Os homens surgiram no papel da obrigação formativa em cursos que participava, enquanto o universo feminino sempre ocupou o centro de suas produções.

Sua pesquisa atual parte de um retorno: um olhar para o passado sem viés nostálgico, mas afirmação de pertencimento. Ao sair de onde cresceu, Desenhadinha passou a valorizar a origem — o cerrado, o quintal da infância, as mãos das mulheres da família. Suas referências são familiares: a mãe artesã, a tia bordadeira, a avó que fazia crochê até os 90. Essa manualidade, que passa de geração em geração e está presente na cultura simbólica e imaginário brasileiro, se materializa em fios de afeto, uma forma de habitar o corpo, o tempo e o espaço.

Na residência artística EXL, Dinha expande essa poética afetiva para uma crítica territorial e simbólica. Nesses trabalhos, o corpo da artista, branco, claro, “padrão”, como ela mesma pontua com desconforto, é colocado em performance não como fetiche, mas como território. Corpo que se queima, que se delimita por linhas simbólicas, como se o fogo que consome o cerrado também atravessasse sua pele. Não por acaso, a performance se projeta em tecido, como se o corpo se costurasse na paisagem.

O uso do leite, tanto como matéria, como símbolo e como signo, marca outro ponto sensível de sua poética. Leite que vem antes da água. Leite do agro, leite da mãe. A substância é ambígua e presta um serviço de fonte de vida e de mercadoria. Em algumas obras, ele escorre, em outras é queimado, materializado em caixas que recusam a moldura, abertas como se quisessem respirar. Dinha apresenta uma linguagem simbólica e repleta de significados: o amarelo do fogo, a flor do pequi, o carvão, a textura queimada da imagem como mapa de Goiás.

A sua produção é uma travessia entre o pessoal e o político. Ao mesmo tempo em que costura as memórias das avós — com manchas azuis, tramas de crochê e pratinhos de porcelana — também denuncia a opressão do agronegócio sobre os corpos femininos e o bioma. O cerrado, para ela, é mais do que um cenário de sua produção. Ocupa o simbolismo de um organismo vivo, queimado por dentro e por fora, onde a ecocrítica se entrelaça ao cuidado e à estética.

A artista se move entre mídias: da gravura à fotografia, do bordado à performance. Circula entre as linguagens, como quem tateia os limites para construir um lugar e um território simbólico próprio e multimídia. O fogo é natural para o bioma e anualmente, há um período de transição entre a estação seca e a estação chuvosa por conta das descargas elétricas, combinadas com a vegetação seca acumulada. Esse evento é objeto disparador para os caminhos que Desenhadinha produz, com leite, linha, flor, fogo e tinta.

De 18 a 27/09, de quinta a sábado
Das 16h às 20h
Entrada gratuita
Curadoria: Leonardo Augusto
@exl.orbi | @exl.urbi | exl.art.br
Ingressos em sympla.com.br/exlcampinas